“ Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida. Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer a razão do meu viver, pois que tu és já toda a minha vida! ”.
O trecho desses versos é do poema “Fanatismo”, de autoria da poetisa portuguesa Florbela Espanca, publicado no livro “Sóror Saudade” publicado em 1923 e musicado pelo cearense Raimundo Fagner em 1981 no álbum Traduzir-se. Indubitavelmente um grande sucesso que marcou toda uma romântica e sonhadora geração que viveu a áurea década dos anos 80. Época de muitas revelações como RPM, Kid Abelha, Placa Luminosa, Roupa Nova e de tantos outros talentos. Indiscutivelmente um momento de grande efervescência musical no Brasil.
“Que tiro foi esse? Que tiro foi esse que tá um arraso? Que tiro foi esse? Que tiro foi esse que tá um arraso? Que tiro foi esse, viado?.”
As insistentes indagações transcritas acima, acreditem, compõem a letra da música ”Que tiro foi esse”, de autoria de Jojo Maronttinni (Jojo Todynho), gravada em 2017 e bastante executada no rádio brasileiro e com milhões de cópias vendidas.
Claro que poderia ainda citar outras tantas composições mais atuais, mas compreendo que, para o comparativo, a dualidade dessas duas canções já se mostra por demais suficientes para compreender o declínio do gosto musical tupiniquim.
A princípio, quero deixar evidente que não se trata aqui de qualquer preconceito sobre esta ou aquela composição, este ou aquele estilo musical. Claro que respeito os mais diversos paladares e ouvidos. Entrementes, não posso escusar-me de suscitar esse inevitável e paradoxal paralelo entre as composições que são, naturalmente, neste caso, exemplificativas.
Pois bem, vivemos hoje num mundo muito mais marcado pela violência e pela individualidade que na outrora década de 80. Tínhamos os nossos problemas, mas em menor escala. Obviamente, a crescente violência, a exploração do homem pelo homem e a coisificação da condição da mulher que hoje vivemos tem duros reflexos na família, na sociedade, no ambiente escolar e também na cultura musical de toda uma geração.
A música, a primeira arte, como sabemos, acompanha toda a história da humanidade e sempre influenciou e marcou gerações inteiras, da música clássica ao jazz, do blues ao rock and roll, da bossa nova ao axé, do pop ao funk; pouco importa. Para cada um desses estilos existe uma história e uma mensagem a ser reada. Contudo, é importante percebermos que recado estamos recebendo das canções atuais, quais os seus fins e a que eles nos remetem. É preciso despertar a nossa consciência sobre o que musicalmente está, de maneira explicita ou subliminar, influenciando-nos e influenciando a geração de nossos filhos. Sobretudo, quando sabemos que também é com influência que se constrói uma sociedade e isso, de modo transverso, afeta diretamente quem somos, o que sentimos e o que pensamos. A cultura insculpida na qualidade musical é, ao meu aquilatar, um termômetro importante para aferir o momento de uma sociedade, seus problemas, traumas, destinos e caminhos.
O importante é termos despertado em cada um de nós essa capacidade inata de autodeterminação crítica sem esquecer jamais a lição de Mateus, o evangelista, quando afirma-nos que “ a boca fala do que o coração está cheio. ” Creio que na música essa sentença também seja perfeitamente aplicável!
Teófilo Júnior